O Facebook tem tido um ano cheio de escândalos de proporções internacionais. Primeiro, foi o caso da Cambridge Analytica (uma empresa de marketing que teve acesso indevido a dados de milhões de usuários). Depois, foi a vez de uma brecha de segurança que comprometeu mais alguns milhões de pessoas.

Nesta semana, surgiu o mais recente escândalo. Uma reportagem do jornal norte-americano The New York Times detalhou como a administração do Facebook usou táticas moralmente questionáveis para tentar melhorar a sua imagem durante crises recentes e driblar questões mais complexas.

A empresa respondeu por meio de um post em seu blog oficial, por meio de uma carta assinada por Mark Zuckerberg (CEO e fundador) e até através de uma entrevista coletiva realizada por telefone com jornalistas e veículos de imprensa do mundo inteiro, incluindo o Olhar Digital.

Mas vamos tentar entender, passo a passo, o que de fato aconteceu.

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A matéria do NYT é muito longa. O que ela diz, resumidamente?

A reportagem tem como base entrevistas com mais de 50 pessoas – a maioria não quis divulgar seus nomes – próximas à presidência do Facebook. O texto descreve tudo o que a empresa fez, ou deixou de fazer, nos bastidores, para tentar melhorar a própria imagem durante situações de crise no passado. Especialmente a contratação de uma empresa de relações públicas acusada de espalhar notícias falsas para defender o cliente.

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Quais crises foram essas?

Uma delas é a envolvendo agentes russos que pagaram para promover posts na rede social durante as eleições presidenciais dos Estados Unidos em 2016 com o objetivo de influenciar eleitores. O NYT diz que líderes do Facebook ficaram sabendo da interferência antes que ela fosse divulgada pelas autoridades dos EUA, e tentaram minimizar na imprensa o tamanho do estrago. As outras são os já citados caso da Cambridge Analytica e o hack de 30 milhões de pessoas.

Quem exatamente é acusado pelo jornal?

Mark Zuckerberg, fundador da empresa, CEO e dono de 60% das ações com poder de voto no conselho administrativo do Facebook; e Sheryl Sandberg, COO do Facebook desde 2008 e considerada a vice-comandante da empresa, juntamente com Zuckerberg. Ambos são citados como responsáveis pelas decisões ou pela negligência da companhia.

Mas tentar melhorar sua imagem durante crises é normal, toda empresa faz isso. O que o Facebook fez de tão ruim?

O problema aqui é como o Facebook decidiu limpar a sua imagem. O NYT afirma que a empresa contratou uma agência de relações públicas chamada Definers. Esta agência fica sediada em Washington, capital dos EUA, e tem experiência em defender políticos do Partido Republicano, o mesmo do presidente Donald Trump, considerado “conservador”.

Uma das coisas que a Definers fez para limpar a barra do Facebook durante o escândalo Cambridge Analytica foi espalhar a narrativa na imprensa de que algumas das pessoas que estavam organizando boicotes à rede social na época eram financiadas pelo filantropo liberal George Soros. O que, depois, descobriu-se que era mentira.

Quer dizer que o Facebook contratou uma empresa que usou fake news para defendê-la?

Segundo a reportagem do NYT, sim. A rede norte-americana NBC News também descobriu que a Definers é dona de uma página do Facebook com 120 mil seguidores chamada “NTK Network”. Um ex-funcionário disse que a página era a “loja de fake news caseira” da agência. Por meio dela, a Definers espalhava notícias boas (nem sempre verdadeiras) sobre seus clientes, e ruins (nem sempre verdadeiras) sobre os concorrentes dos clientes.

Mas essa tática era aprovada pelo Facebook?

Ninguém sabe ao certo. Após a publicação da reportagem do NYT, o Facebook rompeu contrato com a Definers e declarou que nunca pediu à agência ou pagou para que ela espalhasse notícias falsas em nome da rede social. Além disso, Zuckerberg disse que nem ele, nem Sheryl Sandberg, sabiam que a Definers era contratada pelo Facebook.

Na coletiva de imprensa com jornalistas do mundo todo, Zuckerberg se limitou a dizer que “alguém do nosso time de comunicação” deve ter contratado a Definers. No caso específico da acusação de que críticos eram financiados por George Soros, espalhada pela Definers, o Facebook diz que a agência foi instruída a “encorajar membros da imprensa” a investigar o financiamento de um grupo de críticos especificamente.

Não seria a primeira vez que o Facebook seria flagrado envolvido numa tática desse tipo. Em 2011, a empresa tinha contrato com outra agência de relações públicas, a Burston-Marsteller, que espalhou histórias negativas sobre a política de uso de dados do Google, concorrente do Facebook. Na época, a empresa respondeu dizendo apenas: “sem comentários”.

O que o Facebook tem a dizer sobre tudo isso?

Num post no seu blog oficial, o Facebook rebateu cada uma das principais informações do NYT. A empresa diz, por exemplo, que “não é verdade” que executivos sabiam da interferência da Rússia nas eleições dos EUA na primavera de 2016. E negou que os responsáveis por investigar o caso internamente tenham sido desencorajados a fazê-lo.

Outra informação divulgada pelo NYT é a de que o Zuckerberg pediu que funcionários checassem se um post no perfil do então candidato à presidência Donald Trump sobre “barrar muçulmanos” na fronteira do país feria os termos de uso da rede social e se o magnata poderia ser banido do Facebook por isso. O Facebook nega que o debate em torno desse caso tenha sido diferente em comparação com qualquer outro caso de posts polêmicos.

O Facebook também nega a informação de que Zuckerberg teria mandado funcionários usarem Android em vez de iPhone só por estar com raiva de Tim Cook, CEO da Apple, que criticou publicamente a forma como o Facebook trata a privacidade de usuários. A rede social diz que encoraja o uso de Android porque é o sistema operacional mais usado do mundo, e não por uma rixa com a Apple.

Sobre a agência Definers, eis o que o Facebook tem a dizer: “Nosso relacionamento com a Definers era bem conhecido pela mídia – até porque, em várias ocasiões, eles enviaram convites para centenas de jornalistas para importantes coletivas de imprensa em nosso nome”. E negou que a agência tenha sido instruída a espalhar fake news em seu nome.

Na entrevista coletiva com jornalistas por telefone, Zuckerberg acrescentou: “Nós certamente nunca pedimos [à Definers] para espalhar algo que não é verdade. Não é assim que queremos operar. Em geral, acho que muitas empresas de Washington tendem a fazer esse tipo de trabalho. Eu entendo por que outras empresas podem querer trabalhar com elas, mas não é assim que eu quero administrar nossa empresa”.

E agora? O Facebook ou Zuckerberg podem ser responsabilizados? O que acontece com a agência Definers?

Muita gente envolvida no escândalo se pronunciou pedindo que alguma coisa seja feita. O filantropo George Soros, citado falsamente como financiador de uma campanha contra o Facebook pela agência Definers, pediu que a rede social abra uma investigação interna para apurar as táticas de relações públicas empregadas nos últimos tempos.

Além disso, parlamentares dos dois principais partidos dos EUA reagiram publicando notas de repúdio à postura do Facebook. O senador Democrata Ron Wyden chegou a exigir que o Congresso debata com urgência uma proposta de lei de regulamentação de dados, semelhante àquelas que a Europa e o Brasil aprovaram este ano. “Uma corporação que chega a esse ponto em resposta a críticas legítimas não pode ser confiável para guardar suas informações pessoais”, disse o congressista.

Na entrevista coletiva desta semana, Zuckerberg não quis dizer se alguém (ou quem) iria ser demitido por conta disso tudo, mas garantiu que Sheryl Sandberg não vai sair da empresa. E, assim como em outras crises recentes, já tem gente pedindo a cabeça do CEO e dizendo que Zuckerberg não pode continuar como líder da empresa que ele mesmo fundou.

O executivo garante que não vai pedir para sair do cargo. Além disso, a reportagem do NYT destaca que, em muitos momentos em que decisões importantes e polêmicas foram tomadas pelo Facebook nos últimos tempos, nem Zuckerberg nem Sandberg estavam presentes. No fim das contas, ninguém sabe o que pode ou o que vai ser feito com tudo isso, se é que algo vai acontecer.

O que Facebook e Definers fizeram, se a reportagem do NYT estiver correta, é considerado por muita gente como “errado”, mas não é exatamente um crime descrito de forma explícita na legislação dos EUA. É um tipo de lobby controverso, mas não ilegal. Por isso, o máximo que pode acontecer é alguém do alto escalão ser demitido, e o Facebook perder dinheiro e usuários – o que já vem acontecendo.